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Água viva

Autora: Clarice Lispector (1920 - 1977), escritora brasileira.

Gênero: Romance, monólogo.

Ano: 1973  

Inicialmente chamado de "Atrás do pensamento: monólogo com a vida" e depois de "Objeto gritante" (em suas versões manuscritas), o livro "Água Viva" é um mergulho profundo na existência. Sem capítulos, com uma trama tênue e narrativa fragmentada, esse poema em forma de prosa poderia ser lido em um só fôlego, caso não fosse tão denso, nos convidando a silenciar e deixar que as frases ecoem em nosso ser de tempos em tempos. 

 

Nele, as palavras fluem livremente, como o pensamento, mas sua mensagem está nas entrelinhas, nas sensações e sentimentos.  Com certeza um dos meus favoritos, que irei reler sabe-se quantas vezes mais!

Alguns trechos do livro

 “(...) evocar as ruínas incomunicáveis do espírito, onde o sonho se torna pensamento, onde o traço se torna existência.”

 

“Esta é a vida vista pela vida. Posso não ter sentido mas é a mesma falta de sentido que tem a sua veia que pulsa.” (p. 13)

 

“(...) pode-se perguntar sempre por que e sempre continuar sem resposta: será que consigo me entregar ao expectante silêncio que se segue a uma pergunta sem resposta?” (p. 14)

 

“Um instante me leva insensivelmente a outro e o tema automático vai se desenrolando sem plano mas geométrico como as figuras sucessivas em um caleidoscópio.” (p. 14)

 

“Liberdade? É o meu último refúgio, forcei-me à liberdade e aguento-a não como um dom mas com heroísmo livre. E quero o fluxo.” (p. 16)

 

“O dia parece a pele esticada e lisa de uma fruta que numa pequena catástrofe os dentes rompem, o seu caldo escorre.” (p. 17)

 

“Eu sou antes, eu sou quase, eu sou nunca. E tudo isso ganhei ao deixar de te amar.” (p. 17)

 

“Então escrever é o modo de quem tem a palavra como isca: a palavra pescando o que não é palavra. Quando essa não palavra – a entrelinha – morde a isca, alguma coisa se escreve.” (p. 20)

 

“Não quero ter a terrível limitação de quem vive apenas do que é possível de fazer sentido. Eu não: quero uma vida inventada.” (p.20)

 

“Vou adiante de modo intuitivo e sem procurar uma idéia: sou orgânica. E não me indago sobre os meus motivos. Mergulho na quase dor de uma intensa alegria – e para me enfeitar nascem entre os meus cabelos folhas e ramagens.” (p. 22)

 

“O mundo não tem ordem visível e eu só tenho a ordem da respiração. Deixo-me acontecer.” (p.22)

 

“Quero a profunda desordem organica que no entando dá a pressentir uma ordem subjacente.” (p. 2 5)

 

“A prece profunda é uma meditação sobre o nada. É o contato seco e elétrico consigo, um consigo impessoal.” (p. 38)

 

“Não conheço a proibição. E minha própria força me libera, essa vida plena que se me transborda. E nada planejo no meu trabalho intuitivo de viver: trabalho com o indireto, o informal, o imprevisto.” (p. 37)

 

“Estou terrivelmente lúcida e parece que alcanço um plano mais alto da humanidade. Ou da desumanidade – o ir.” (p. 50)

 

“O que faço por involuntário instinto não pode ser descrito (...). Que estou fazendo ao te escrever? Estou tentando fotografar o perfume.” (p. 50)

 

“Quando pinto respeito o material que uso, respeito-lhe o primordial destino. Então quando te escrevo respeito as sílabas.” (p. 50)

 

“A coragem de viver: deixo oculto o que precisa ser oculto e precisa irradiar-se em segredo. Calo-me.” (p. 59)

 

“Estou tendo agora uma vertigem. Tenho um pouco de medo. A que me levará minha liberdade? O que é isto que estou te escrevendo? Isso me deixa solitário. Mas vou e rezo e minha liberdade é regida pela Ordem – já estou sem medo. O que me guia apenas é um senso de descoberta. Atrás do atrás do pensamento.” (p. 60)

“Então o fundo da existência se manifesta para banhar e apagar os traços do pensamento. O mar apaga os traços das ondas na areia.” (p. 61)

 

“Antes de me organizar, tenho que me desorganizar internamente. Para experimentar o primeiro e passageiro estado primário de liberdade. Da liberdade de errar,cair e levantar-me.” (p. 62)

 

“Mas se eu esperar compreender para aceitar as coisas nunca o ato da entrega se fará. Tenho que dar o mergulho de uma só vez, mergulho que abrange a compreensão e sobretudo a incompreensão. E quem sou eu para ousar pensar? Devo é entregar-me. Como se faz? Sei porém que só andando é que se sabe andar e – milagre – se anda.” (p. 62)

 

“(...) estou entrando sorrateiramente em contato com uma realidade nova para mim e que ainda não tem pensamentos correspondentes, e muito menos ainda alguma palavra que a signifique. É mais uma sensação atrás do pensamento.” (p. 62)

 

“Mas não sei como captar o que acontece já senão vivendo cada coisa que agora e já me ocorra e não importa o que.” (p. 65)

 

“O que é um espelho? É o único material inventado que é natural. Quem olha um espelho, quem consegue vê-lo sem ver, que entende que a sua profundidade consiste em ele ser vazio, quem caminha para dentro de seu espaço transparente sem deixar nele o vestígio da própria imagem – esse alguém então percebeu o seu mistério de coisa.” (p. 71)

 

“Minha história é de uma escuridão tranquila, de raíz adormecida na sua força de odor que não tem perfume. E em nada disso existe o abstrato. É o figurativo do inominável.” (p. 74)

 

“O estado de graça de que falo não é usado para nada. É como se viesse apenas para que se soubesse que realmente se existe e existe o mundo. Nesse estado, além da tranquila felicidade que se irradia de pessoas e coisas, há uma lucidez que só chamo de leve porque na graça tudo é tão leve. É uma lucidez de quem não precisa mais adivinhar: sem esforço, sabe. Apenas isto: sabe. Não me pergunte o quê, porque só posso responder do mesmo modo: sabe-se.” (p.79-80)

Livro de visitas

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