As ondas
Autor: Virginia Woolf (1882 - 1941), escritora britânica.
Gênero: Romance
Ano: 1931

Algumas vezes em minha vida aconteceu de eu ter uma forte conexão com um livro, quase como se ele tivesse caído em minhas mãos no momento preciso em que eu o necessitava. Este, em meio a tantos outros na biblioteca de meus pais, me chamou a atenção em certo momento pela autora, que eu conheci vendo o filme "As horas".
Quando comecei a ler "As ondas" estava passando por uma série de mudanças em minha vida e não sei se foi a leitura que fez com que eu entrasse em uma profunda crise existencial ou se foi o meu momento de vida que fez com que a narrativa me tocasse profundamente. Só sei que eu passava os dias (de frio e chuva de inverno) sentada na cama, lendo sem parar.
Assim como o sol descreve um arco em sua jornada diária, também nós, seres humanos, percorremos determinado caminho ao longo de nossa existência. De maneira absolutamente admirável, Virginia Woolf nos convida a acompanhar as fases da vida de seis personagens, cujas características, visíveis já durante a infância, vão desabrochando diante de nossos olhos, bem como sua visão do mundo e de si mesmos.
O que mais gostei neste livro é que nele não existem heróis, pessoas "melhores" ou "piores". Cada personagem é descrito como sendo singular, passando por alguns momentos de auto-afirmação e outros de insegurança diante da forma de ser dos outros.
“Vimos tudo o que poderíamos ter sido; tudo o que tínhamos deixado de ser, e por um momento invejamos o que o outro reivindicara, como crianças, quando o bolo é cortado, o único bolo, contemplando suas fatias diminuírem.” (p. 206)
Alguns trechos do livro
“O sol ainda não nascera. O mar não se distinguia do céu. (…) Pouco a pouco, as brasas fundiram-se numa só brasa incandescente, e a pesada cobertura cinza do céu levantou-se e transformou-se num milhão de átomos de um macio azul.” (p. 7)
Bernard: segue Susan. Se preocupa com ela. Se deixa levar pelas coisas que se cruzam na sua vida. Fantasia, conta histórias. Vê tudo com contornos imprecisos.
Rhoda: brinca solitária. Seu navio é o único que não afunda. Não compreende as regras do mundo. Não reage como os outros, não sente como os outros e por isso os imita.
Neville: “regrado”, não gosta de coisas oscilantes. Frágil. Agarrado às palavras. Ama Percival.
Louis: Se sente inseguro por ser australiano, mas se sente o mais inteligente também. Pensamento mais concreto.
Susan: sempre pensando no que os outros têm e são e ela não. Se sente como ficando para atrás. Atenta aos romances. Quer dar e receber e a solidão para desbordar.
Jinny: segue o que sente. Perfeição no “mundo real”, magia do mundo. Precisa do olhar do outro para dar sentido ao que faz. Quer ser admirada.
“Tudo é estranho. As coisas são imensas e diminutas”. (p. 18)
O sol fazia com que cada forma ficasse mais definida e, ao mesmo tempo, mais amorfa.
- Escola: as formalidades, o verniz social, olhar vítreo.
- Tudo é falso, prostituído. As crianças ficavam longe dos pais, dormindo na escola.
“Mas não sou ninguém aqui. Não tenho rosto. Essa grande comunidade, toda vestida de sarja marrom, roubou minha identidade.” (p. 26)
- busca por um rosto bem delineado e monumental, um ídolo.
- outros se sentem confortáveis na uniformidade, porque não são mais lembrados com pena (quando só querem ser iguais aos outros…)
- Dias ganham o mesmo ar brilhante e ordenado na escola
- Sempre se comparam com os outros para definir-se.
“Num mundo que contém em si o momento presente - disse Neville -, por que fazer discriminações? Nada deveria ser nomeado, a não ser que, agindo assim, estejamos transformando alguma coisa. Deixemos que exista este banco, esta beleza e eu, por um instante, embebido em prazer.” (p. 62)
“Ainda assim, quão doloroso é ser lembrado, ser mitigado, ver-se adulterado, misturado, tornado parte de outrem”. (pg. 63)
“Ser contraído num único ser por outra pessoa - que coisa estranha.” (p. 67)
“Não somos simples como nossos amigos gostariam que fôssemos para irmos ao encontro de suas necessidades. Ainda assim, porém, o amor é simples”. (pg. 68)
“Usamos nossos amigos para medirmos nossa própria estatura.” (p. 68)
“Para ser eu mesmo (percebo) preciso da iluminação dos olhos das outras pessoas; por isso, não posso ter certeza absoluta do que seja eu mesmo”. (pg 87)
“É Percival, sentado quieto como se sentava entre o capim que faz cócegas, quando a brisa dividia a nuvem e elas se juntavam novamente - disse Louis -, quem nos torna conscientes de que são falsas essas tentativas que estamos fazendo de dizer “sou isto, sou aquilo”, reunindo-nos como partes separadas de um corpo e uma alma. Algo foi deixado de fora, por medo. Algo foi alterado, por vaidade. Tentamos acentuar diferenças. Pelo desejo de sermos separados, acentuamos nossas faltas, e nossas particularidades. Mas abaixo há uma corrente girando em redor, em redor, num círculo azul-aço”. (p. 102)
“Essas porções deliciosas de pato assado, corretamente cobertas de verduras, seguindo-se umas às outras em uma delicada rotação de calor, peso, doce e amargo, passam pelo meu palato, descem pela garganta, entram em meu estômago, estabilizam meu corpo. Sinto quietude, gravidade, controle. Tudo agora é sólido.” (. 103)
“Com um tempo infinito à nossa frente - disse Neville - perguntamos o que fazer?” (p. 105)
“Não somos escravos condenados a sofrer incessantemente em nossas costas curvadas pequenos golpes não percebidos. Não somos carneiros, seguindo um guia. Somos criadores.” (p. 109)
“Suaves na superfície, por baixo somos todos ossos, como serpentes coleantes.” (p. 158)
“Penso mais desinteressadamente do que podia quando era jovem e precisava cavar furiosamente para descobrir a mim mesmo, como uma criança revirando um pastelão. “Veja, o que é isso? E isso? E isso será um bom presente? É só isso?” e assim por diante. Agora sei o que contêm os embrulhos; e não me interessam muito. Lanço pelos ares minha mente como um homem lança sementes em grandes leques de claridade, caindo pelo crepúsculo arroxeado, caindo sobre a terra arada, prensada e lustrosa e nua.” (p. 161)
“Não me importo com as pulgas nem encontro defeitos na seda. Sou muito tolerante. Não sou moralista. Tenho demasiado senso da brevidade da vida e de suas tentações para fazer marcas com um lápis vermelho.” (p. 161)
“O salgueiro cresce em turfa junto ao rio. Os jardineiros varrem com suas grandes vassouras, e a dama está sentada escrevendo. Assim ele me indicava o que está além e fora da nossa própria condição; o que é simbólico e ainda assim, talvez, permanente, se é que há qualquer permanência em nossas vidas que dormem, comem, respiram, tão animais, tão espirituais e tão tumultuadas.” (p. 185)
- “Ganhar a vida” - que expressão tão absurda! Nela fica evidente a idéia de que a vida não é nossa, que precisamos pagá-la.
“Vimos tudo o que poderíamos ter sido; tudo o que tínhamos deixado de ser, e por um momento invejamos o que o outro reivindicara, como crianças, quando o bolo é cortado, o único bolo, contemplando suas fatias diminuírem.” (p. 206)